domingo, 23 de fevereiro de 2014

EDUCAÇÃO: “A GENTE VÊ POR AQUI” (?)


          “O povo brasileiro não tem educação!” Quantas vezes já não ouvimos essa afirmação e todas as suas variações? Quando indivíduos (ou a coletividade) agem de forma incompatível com o modelo ideal de conduta estabelecido, ou contra o que costuma-se chamar de politicamente correto, afirmações como essas se tornam lugar-comum na grande imprensa, nas salas de aula, círculos intelectuais e nas conversas de bar. Quantas vezes você já não deve ter ouvido isso na fila do banco, no ponto de ônibus ou de um colega de trabalho. O que salta aos olhos, nessa frase, é o desagrado do declarante com determinada ação, individual ou coletiva, qualquer que seja. Contudo, somente um olhar mais detido e uma reflexão mais demorada (coisa cada vez mais rara em nossos dias, menos pela inexistência do objeto que por desistência do sujeito) ao significado desta afirmação pode nos levar a compreensão de sentidos tácitos adjacentes.
          Fica absolutamente clara, neste contexto, a percepção de que o termo “educação” não se refere a conteúdos programáticos de determinado seguimento escolar ou ao nível de desenvolvimento científico. Quando afirmamos que alguém não tem educação nem passa por nossa cabeça identificar seu nível de escolaridade. E mesmo quando sabemos que essa pessoa possui determinado percurso acadêmico, frente a uma atitude que consideramos incorreta, ética ou moralmente, logo desferimos o impropério: “mal educado!”
          Creio não ter dado nenhuma contribuição importante com as reflexões feitas até aqui. A Educação tem sim duas acepções, como afirmamos acima, e não há muito o que discutir neste sentido. Mas o que pretendo demonstrar aqui, em poucas linhas, diz respeito aos efeitos que a falta de educação no sentido escolar provoca na interpretação que o coletivo, que chamamos de “povo brasileiro”, faz dos apelos feitos pela mídia nacional, no sentido de promover uma mudança de atitude. Vou tentar me fazer mais claro.
          Você deve lembrar que o carro-chefe dos programas da Rede Globo, aos finais de semana, apresentou no final do ano de 2013 um quadro muito interessante a respeito das atitudes da população frente a algum caso explícito (por vezes até exagerado) de preconceito, humilhação ou ações antiéticas realizadas em espaços públicos. O quadro claramente tentava instigar a reação das pessoas em cada um dos eventos hipotéticos criados, valorizando as reações contrárias às atitudes alheias. Vimos um espetáculo de gentilezas e boas ações, de solidariedade e companheirismo, de amor ao próximo e caridade. A cada domingo esperávamos, ansiosos, às atitudes de nosso povo, que demonstrava uma educação incomparável, atitudes irrepreensíveis, um espírito indelével e pensávamos: “em que momento o povo brasileiro ficou tão educado?”
          Pois é. Diante dos mais recentes acontecimentos fui levado e lembrar daqueles episódios da série “Vai fazer o que?”, do Fantástico. Uma breve reflexão me fez lembrar de alguns de meus alunos, que não hesitariam em exclamar, em alto e bom som: “a casa caiu!”. Posso estar sendo um pouco exagerado e, no exagero, errar em minhas considerações, mas penso que pode haver uma relação direta, afinal de contas, por mais que a audiência dos programas da Rede Globo esteja em queda livre, especialmente aos domingos, essa audiência ainda representa cerca de 1,5 millhão de domicílios, só na Grande São Paulo. Assim, o aumento das manifestações sociais em todo o território nacional, manifestações que apelam à participação das massas, somado ao chamado feito pela série do Fantástico, pode ter culminado por promover uma reação do povo que não podemos chamar de outra forma que não “falta de educação”. Estamos falando das ações dos justiceiros, fatos que tem tomado cada vez mais espaço nos noticiários.
          Ladrões espancados, assaltantes linchados, bandidos amarrados e/ou trancafiados em postes e muros, sendo hostilizados pela mesma massa que deseja justiça, sai à rua nas manifestações com objetivos escusos e, assistindo ao dito quadro “Vai fazer o que?”, torcem pra ocorrer uma reação que fosse além do que os episódios demostraram. As interpretações de tais ações ainda precisam de tempo para serem analisadas. Talvez só a distância temporal possa nos esclarecer se há a relação que tentamos fazer aqui. Parece forçada, eu concordo. Mas não podemos ignorar o fato de que a falta de educação no sentido formal, ou seja, a grande quantidade de analfabetos, somada ao número de analfabetos funcionais, que penso estar em quantidade ainda maior no povo brasileiro, ao mesmo tempo que os impede de compreender sentenças simples em uma avaliação escolar dificulta a compreensão de chamados coletivos. Assim, enquanto não houver educação formal de qualidade, a educação informal terá dificuldade de aparecer. Não tenho intenção de defender ou criticar a ação da Rede Globo, já que não é possível saber quais as verdadeiras intenções por trás deste discurso. Só entendo ser uma atitude insuficiente. Se quisermos ver educação por aqui precisamos promover educação por aí. Mas a mídia, por melhor que seja, não serve de base para esse processo, ou no mínimo não será suficiente para tal.

Eliton de Almeida
Mestrando em História pela UNESP/Franca
Professor de História, História da Arte e Sociologia para o Ensino Médio